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Está na hora de mudar

 

Não é novidade que o futebol feminino no Brasil é bastante negligenciado. A resistência para com a categoria é visível em diversas faces: o patrocínio para realizar um campeonato feminino é muito difícil, existe muito preconceito por parte da sociedade e é disseminada a ideia de que o espaço esportivo e o espaço público não foram feitos para mulheres. Quando falamos de futebol profissional essa resistência é ainda maior. Não há reconhecimento das atletas profissionais, não há preocupação com a profissionalização das atletas e a estrutura é extremamente precária – desde a base. Infelizmente, não há incentivo para que as meninas joguem futebol. Além disso, a mídia corrobora com essa situação e não dá a visibilidade necessária à modalidade e, principalmente, às jogadoras.

 

No entanto, o que se observa é uma tentativa (forte e incisiva) de mudança desse cenário. Cada vez mais as mulheres buscam ocupar o espaço público e seu lugar de direito no esporte, formando times amadores, se reunindo para assistir e falar de futebol e incentivando entre si mesmas a prática do esporte.

 

O ano de 2015 trouxe alguns marcos para a questão da visibilidade do futebol feminino: pela primeira vez as seleções femininas estão no FIFA, jogo de videogame famoso no mundo todo. A Copa do Mundo também ganhou maior repercussão na televisão, com canais como SporTV transmitindo todos os jogos do campeonato. Contudo, apesar destes avanços em direção à igualdade, ainda é claro o tradicional machismo do meio esportivo: comentários a respeito do corpo e da roupa das jogadoras parecem ser mais importantes do que aqueles sobre sua habilidade, seu jogo, seus números, seus gols.

 

No Brasil a realidade das mulheres que querem seguir carreira profissional (ou que já seguem) não é fácil. Segundo Júlia Vergueiro, sócia-diretora do Pelado Real Futebol & Arte, as atletas “têm que bancar uma estrutura de vida, além de tudo, pra poder ir pro treino, pra poder estar lá sempre. O salário é uma questão, opção de clube pra jogar, tem muita jogadora que joga a vida inteira, que tem habilidade, que tem como despontar, mas não tem onde treinar”.

 

O futebol feminino não é somente importante, mas também necessário. É preciso lutar diariamente contra a ideia de que o futebol (assim como tantos outros esportes) é uma propriedade do homem. A partir disso, diversas iniciativas podem e devem ser tomadas para mudar a realidade das atuais jogadoras e de tantas outras que estão por vir. “As pessoas precisam entender que o futebol feminino é um esporte e precisa ganhar visibilidade por si só, por ser um esporte interessante, e o foco tem que estar nisso”, afirma Júlia.

 

 

Inspiração norte-americana para levantar o futebol brasileiro

 

Uma das principais novidades do Campeonato Brasileiro feminino de futebol de 2015 foi o draft, procedimento utilizado para equilibrar as equipes que disputam o torneio. As vinte principais jogadoras do torneio, que atuam pela Seleção Brasileira, foram divididas entre as oito equipes que chegaram às quartas de final da competição, como acontece nos principais esportes dos Estados Unidos.

 

Contudo, diferente do que acontece nos EUA, o draft foi realizado por meio de um sorteio, e não de acordo com a posição da equipe no torneio de 2014. Assim, a ordem de escolha das equipes foi a seguinte: 1° - América-MG; 2° - Rio Preto-SP; 3° - Santos; 4° - São José-SP; 5° - Botafogo-PB; 6° - Tiradentes-PI; 7° - Adeco-SP; 8° - Flamengo.

 

Além disso, apenas as equipes classificadas para a segunda fase do torneio tiveram o direito de ter jogadoras da seleção jogando. Na primeira rodada do sorteio, para que uma jogadora fosse para cada um dos oito times, a escolha foi feita na ordem crescente: da primeira à oitava. Na segunda rodada, a ordem foi inversa: da oitava à primeira. Para a terceira e última rodada, houve um novo sorteio, no qual quatro equipes foram selecionadas para escolherem as quatro últimas atletas.

 

As vinte jogadoras fazem parte da Seleção Brasileira permanente, formada para a disputa do Mundial que ocorreu este ano no Canadá e para os Jogos Olímpicos de 2016. Após o torneio as atletas voltam a se juntar para defender a seleção, que já se prepara para os Jogos do Rio.

 

Abaixo está a relação de jogadoras e times, resultado do sorteio do draft:

 

1- América Mineiro: Rafaelle e Thaisa

2- Rio Preto: Darlene e Luciana 

3- Santos: Gabi Zanotti e Rilany 

4- São José: Formiga e Bia

5- Botafogo da Paraíba: Géssica, Raquel e Bárbara

6- Tiradentes: Andressinha, Camila e Andreia 

7- Adeco: Fabiana, Tayla e Letícia

8- Flamengo: Mônica, Maurine e Travalão

 

Positivo para o Brasil

 

O draft foi uma escolha saudável para o futebol feminino nacional. Equilibrar as equipes da segunda fase do torneio com as principais jogadoras do país traz maior competitividade e mais dinâmica ao torneio. No entanto, existem críticas. Algumas jogadoras reclamaram do fato de não haver possibilidade de escolha do clube, e elas acabaram indo jogar em locais, muitas vezes, longe de suas casas e famílias. Em contrapartida, outras atuarão em casa. É o caso de Darlene, segunda escolhida no draft, que defende o Rio Preto, cuja dirigente é sua mãe. Apenas Bruna, capitã da seleção, não participou do sorteio por conta de uma lesão.

 

Para os clubes, boas vantagens: além de serem reforçados com jogadoras do mais alto nível, não terão que arcar com os salários das atletas. Elas continuam a receber da CBF, que já as paga pelo contrato com a seleção permanente. Uma crítica, talvez, seja o fato de que os clubes não podem escolher jogadoras de acordo com suas próprias deficiências. Isso quer dizer que se um time necessita de um reforço no ataque ou de uma goleira mais experiente, por exemplo, pode ser que tenha recebido duas zagueiras e uma volante, o que fortalece o time mas não configura um cenário ideal.

 

Quatro atletas que ainda estavam vinculadas à federação dos Estados Unidos,  Andressinha e Camila (Tiradentes), Bia (São José) e Travalão (Flamengo), demoraram mais a serem liberadas para se juntarem a seus clubes.

 

Para o técnico da seleção feminina, Vadão, a participação das jogadoras no Brasileiro também é muito positiva para elas: “Para as jogadoras isso é ótimo. Na seleção permanente era só treinamento e ir para o hotel. Agora elas terão uma competição, poderão ficar mais próximas dos familiares. Ganham muito com isso”.

 

A visibilidade que merece

 

O Brasil é e sempre foi chamado de país do futebol. Esse é um termo que escutamos no nosso cotidiano e que, apesar dos recentes acontecimentos, é verdadeiro. Mas o Brasil é o país do futebol masculino. Um gênero inteiro fica excluído nessa afirmação. Na tentativa de dar mais visibilidade ao futebol feminino, o Museu do Futebol, localizado no Estádio do Pacaembu, em São Paulo, vem fazendo sua parte.

 

Durante todo o ano, o Museu tem promovido uma série de eventos chamada Visibilidade para o futebol feminino, iniciativa da jornalista especialista em futebol feminino Lu Castro, que inclui debates a respeito do tema, exposições e atividades educativas para tornar mais conhecida a história das mulheres que fizeram e fazem o futebol no e do país.

 

A partir de uma curadoria feita com atletas, árbitras e jornalistas que participam da luta que é fazer crescer o esporte no Brasil, a exposição conta com fotos, relatos e outras peças do arquivo pessoal dessas mulheres, a fim de aumentar as fontes de pesquisa sobre o tema, ainda muito incipiente no País.

 

O conteúdo presente na exposição conta a história do futebol feminino, desde o decreto-lei que proibia as mulheres de jogar futebol, até a criação de uma seleção nacional no ano de 1988 – apenas três anos antes da primeira Copa do Mundo da categoria.

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